Vale a pena espreitar

Porque este projeto pretende ainda contribuir para o reconhecimento do trabalho de excelência realizado no domínio da saúde mental e direitos humanos, neste separador iremos divulgar (com moderação porque o tempo é um lugar precioso), alguns exemplos de excelência de trabalhos realizados no domínio da ciência, das artes e das políticas públicas.

 

Maio, 2025

 

Neste mês de Maio o nosso destaque vai para o relatório “Reforma de Saúde Mental três anos de transformação”, publicado em 2024 pela Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental. É conhecido o impacto que as perturbações psiquiátricas e os problemas de saúde mental têm na população portuguesa, reforçado pelas marcadas dificuldades ao nível do acesso aos serviços de saúde mental, pelo estigma, problemas económicos e assimetrias regionais. Neste relatório podem conhecer o caminho que tem vindo a ser traçado e construído para ultrapassar esses constrangimentos. Nos últimos trinta anos, os serviços de saúde mental nos países ocidentais sofreram uma transformação radical, e foram mais longe no desenvolvimento de modelos multidisciplinares e comunitários do que qualquer outra área dos sistemas de saúde. 

 

 

 

Abril, 2025

 

Para o mês de Abril destacamos o filme “Amor” (Amour), pelo cineasta Michael Haneke. Um convite visceral para experienciar como o cuidado daqueles que mais amamos desafia o próprio sentido de continuidade e de lugar no Mundo. Este filme conta-nos a história de um casal de professores de música octogenários, Georges e Anne, que veem as suas vidas transformarem-se após Anne sofrer um acidente vascular cerebral. Trata-se de uma narrativa que nos deve inquietar pelo lugar solitário a que as personagens são deixadas quando a esperança se dilui na presença do sofrimento do outro. O que se passa? O que tens? Anne! Cucu!? Sou eu. Anne? O que se passa? Anne, o que se passa? O que tens? 

 

Março, 2025

Este mês damos destaque à conferência “Community Mental Health: Deinstitutionalization, diversity & inclusion” que se irá realizar nos dias 25, 26 e 27 de Março na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. Esta conferência revela-se de suma importância para o debate urgente em torno da reforma da saúde mental, para a dignificação da vida das pessoas com experiência em doença mental, seus familiares e amigos e para  a construção de uma sociedade justa e igualitária. A organização deste evento é da responsabilidade da Associação para o Estudo e Integração Psicossocial (AEIPS) e estão convocadas pessoas que há anos procuram visibilizar a justiça social e a saúde mental, enquanto garante primeiro do cumprimento dos direitos humanos. Vale a pena espreitar, “trazer para a casa” e ampliar o debate, para que a saúde mental seja também ela um desígnio nacional! 

 

Fevereiro, 2025

Testamento de um Morto Vivo Sepulto na Casa dos Mortos, em Barcelos (Editora da Universidade do Porto, na Coleção Pensamento, Arte & Ciência), reune um conjunto de escritos de Abel Salazar, figura incontornável da medicina em Portugal, aquando do seu internamento na Casa de Saúde de S. João de Deus, em Barcelos. Numa escrita sem filtros e de uma genuinidade que nos humaniza, o autor escreve sobre o sofrimento mental, a arte e artistas e a ciência. Deixamo-vos um convite para este dias de Inverno que nos deve inquietar pela lucidez que a loucura nos exige.  

A vaidade é uma coisa insuportável, mas a modéstia vaidosa é mais insuportável ainda, porque é falsa e hipócrita; o homem, a meu ver, deve ter uma justa compreensão de si próprio, e não se deixar cair abaixo do que é, nem se elevar acima do que não é. É sempre antipático falar de si próprio, mas as circunstâncias agora obrigam-me a fazê-lo. Eu senti sempre fundamente a beleza da vida, e a minha alegria era observá-la pelos meios que a ciência faculta, ou exprimi-la pelos processos que a arte criou; mas uma doença intelectual que sempre me torturou, me envelheceu, já de há muito me estava fazendo debater num dédalo fatigante, e de que é bastante difícil dar ideia. 

 

Janeiro, 2025

A arte bruta (Jean Dubuffet, 1901-1985) é um bom exemplo de como o ato de criar se reinventa na democratização e no desvio da norma. Este movimento, intimamente associado à criação no âmbito da doença mental, inspira o trabalho desenvolvido pelo Manicómio — um projeto que se multiplica como espaço de criação, de relações e de possibilidades. Há muito a descobrir neste projeto… fica desde já o convite para começar por Nós, os Loucos.
 
Por meio da criação de espaços de liberdade artística para pessoas com experiência de doença mental que residam ou estejam em contextos psiquiátricos, e da introdução de ferramentas e técnicas de inovação em saúde mental e direitos humanos para os trabalhadores dessas instituições, o Nós, os Loucos promove condições para o desenvolvimento de ateliês artísticos contínuos e de elevado valor artístico. O projeto foca-se no recovery, no empowerment e nos direitos humanos, envolvendo também os técnicos na construção de ambientes psiquiátricos mais positivos, criativos e humanizados. O objetivo final é estabelecer paradigmas de valor e felicidade, tanto para os residentes/pessoas com experiência de doença mental quanto para os profissionais das unidades psiquiátricas e todo o ecossistema envolvente.

 

Dezembro, 2024

No mês de Novembro, tivemos oportunidade de transmitir e debater o filme  Passámos por Cá (Sorry We Missed You), do cineasta britânico Ken Loach. O debate que se seguiu com o Professor Caldas de Almeida, Doutora Cristina Cabeleira e Doutor João Barreto foram acutilantes e deixaram-nos com um saber a pouco no corpo. Muito mais tempo precisavamos para conversar e partilhar as inquietações que nos juntaram numa sala. Neste mês de Dezembro, em que nos tornamos mais gentis e permeáveis ao outro convidamo-lo a rever este e outros filmes deste cineasta, que nos transportam para a vida real das pessoas, das suas lutas e das impossibilidades que nos distanciam num Mundo desigual.
 
nunca pensei que pudesse ser tão difícil (Ricky Turner)

 

 Novembro, 2024

As desigualdades económicas introduzem cisões estruturais na sociedade que têm impacto em indicadores como a esperança média de vida, a confiança e a prevalência de doença mental.  Neste documentário, Richard Wilkinson apresenta resultados de estudos no domínio da epidemiologia social que sublinham a natureza patologizante da distância entre as pessoas. A justiça económica e social parece ter implicações muito claras na forma como adoecemos e como confiamos. Intervir na saúde mental implica advogar por sociedades mais justas e igualitárias. 

 OUTUBRO, 2024

Neste mês de Outubro sugerimos o livro de João G. Pereira (psicólogo e psicoterapeuta) “Psiquatria Lenta” (Editora Taiga), onde o autor nos fala da urgência da democratização da psiquiatria, das respostas da saúde mental e das relações de ajuda, enquanto garantes da humanização e dos processos de “cura”.

Muito haveria por dizer da delicadeza desta dança de palavras, das pausas, das desacelarações e dos silêncios, mas talvez o mais importante tenha mesmo sido tratar a Joana como uma pessoa normal. Uma pessoa normal a viver circunstâncias extraordinárias, e que, nessas circunstâncias, desenvolveu formas de lidar com o sofrimento, sofrimento que alguém, que certamente nunca terá a sua confiança, se lembrou de chamar de doença (p.79).

SETEMBRO, 2024: Vale a pena espreitar o documentário “Pedras, Plantas e Outros Caminhos(Coletivo de ATs, coordenação Prof. Dr. Ricardo Wagner Machado da Silveira do curso de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia e produção do Núcleo de Produção da Tv Universitária).

Uma vez perguntei para um professor grande amigo meu o que é eu fazia com esse aperto no peito que a gente sente. Ele primeiro marejou os olhos e falou que a ideia é transformar esse aperto em alguma coisa nova, um novo, que a gente seja um terapeuta novo, que a gente seja diferente. Que muitas vezes o AT é só para ficar perto e ser um representante da humanidade. 

Um documentário sobre o papel do/a Acompanhante Terapêutico e de duas pessoas que criam um lugar de humanidade num Mundo de desigualdade e de insanidade.

AGOSTO, 2024: Este mês destacamos o interessante artigo Contextual factors influencing the use of coercive measures in Portuguese mental health care” de Aluh et al. (2023)

 O artigo “Contextual factors influencing the use of coercive measures in Portuguese mental health care” de Aluh et al. (2023) é um estudo qualitativo que nos conduz à reflexão em torno de dimensões estruturais e sistémicas do uso de medidas coercivas nos cuidados de saúde mental em Portugal. O estudo foi desenvolvido com 40 profissionais de medicina e enfermagem de cinco departamentos psiquiátricos situados em regiões urbanas e rurais de Portugal e alerta-nos para decisões sobre medidas coercivas sustentadas em fatores que ultrapassam dimensões relativas à pessoa diagnosticada com doença mental e se inscrevem em variáveis tais como a insuficiência de recursos, características da equipa, ineficiência dos serviços e questões sociojurídicas. 

JULHO, 2024: Este mês destacamos o interessante trabalho de Kirkbride et al. (2024) intitulado “The social determinants of mental health and disorder: evidence, prevention and recommendations“.

O artigo, disponível na íntegra, fornece uma análise detalhada das evidências que ligam determinantes sociais, como a pobreza e discriminação, a resultados de saúde mental ao longo da vida. Além disso, o artigo propõe estratégias de prevenção primária e recomendações para políticas públcas voltadas para a redução dessas desigualdades, enfatizando a importância da justiça social e da inclusão de grupos marginalizados, como refugiados e minorias étnicas e sexuais. Vale a pena espreitar!

JUNHO, 2024: Vale a pena espreitar a série “Desassossego“.

 

Desassossego é uma série sobre saúde e doença mental que conta com 13 episódios que combinam experiências pessoais, políticas, e da prática. Esta série é produzida pelo Fumaça, um podcast de jornalismo de investigação. Desassossego recebeu o Prémio de Jornalismo Direitos Humanos & Integração, 2023 e Prémio AMI Jornalismo Contra a Indiferença, 2023.