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TEMAS
Conferência de consultora Prof. Carol Hagemann-White
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Visão global do Projecto Amor, Medo e Poder, por Maria José Magalhães e Yolanda Rodríguez Castro
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1 - Violência de Género e narrativas biográficas
O conceito de experiência foi introduzido pelo movimento feminista de segunda vaga, em conjunto com investigadoras feministas, sendo hoje um adquirido no campo das concepções sobre produção de conhecimento (McNay 2004). Neste sentido, os métodos biográficos podem constituir uma metodologia para dar conta das experiências e das subjectividades.
Durante o século XX, as disciplinas de história social, antropologia e sociologia críticas, em conexão com a crítica feminista da ciência (Harding 1986; 1991), enfatizaram os métodos biográficos também pelas suas possibilidades heurísticas (Maynard and Purvis 1994). Esta epistemologia desafia as ideias prévias sobre teoria e vida social num dado contexto e providencia conhecimento sobre as identidades sociais, abrindo possibilidades da emergência da “subjectividade explosiva” (Ferrarrotti 1983).
No que diz respeito à violência de género, as narrativas biográficas consistem numa ferramenta metodológica para as vozes das experiências, subjectividades e trajectórias das mulheres no seu (nosso) caminho para uma vida sem violência.
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2 - Políticas Sociais de enfrentamento à violência de género
Nas últimas décadas, ativistas dos movimentos de mulheres argumentaram com sucesso que o Estado tem a responsabilidade de proteger e cuidar as mulheres vítimas de violência de género por parceiros e ex-parceiros íntimos, enquanto uma questão de direitos humanos (Shepard and Pence 1999). O resultado tem sido um considerável conjunto de produção legislativa e de medidas de política social especialmente dirigidas às necessidades das mulheres vítimas de violência de género e de violência doméstica.
A seguir a um período inicial em que as feministas, como voluntárias, tiveram que lidar com o problema abrindo refúgios para mulheres, nos anos 1970’s, têm vindo a ser desenhados casas de abrigo e serviços de atendimento, em conjunto com modelos comunitários de intervenção para responder às necessidades e expectativas das mulheres e das suas crianças (European Commission 2010; Baptista 2004).
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3 - Violência de Género e cidadania das mulheres
A Plataforma de Ação de Beijing, em 1995, no contexto das Nações Unidas, estabelece a violência contra as mulheres como prioridade das estratégias para alterar a discriminação contra as mulheres e o sexismo. Para a cidadania das mulheres vítimas de violência de género, os governos assinaram um acordo sobre medidas a adoptar entre elas: providenciar “casas de abrigo bem financiadas e centros de atendimento para meninas e mulheres que tenham sido submetidas a situações de violência, serviços de aconselhamento e apoio médico, psicológico e outros, ajuda jurídica gratuita quando necessário, assim como assistência apropriada para encontrarem meios de subsistência (§ n. 125. a.).
Susan James (1992) argumenta que a cidadania constitui uma construção social historicamente assente numa tripla dimensão de independência: física, económica e emocional. A violência de género é um obstáculo à cidadania das mulheres, porque é uma forma estrutural de impedir a independência física, emocional e económica. Como Carole Pateman afirma:
… as mulheres continuaram a desafiar a sua alegada subordinação natural no interior do espaço privado. A partir dos anos 1970, lutaram para se tornarem cidadãs no ideal e na prática que adquiriu um significado universal através da sua exclusão. A resposta das mulheres tem sido complexa. Por um lado, exigiram que o ideal de cidadania fosse estendido para elas [nós], sendo a agenda liberal-feminista para um mundo social “neutro em função do género” a conclusão lógica dessa exigência. Por outro lado, insistiram igualmente, por vezes simultaneamente, como fez Mary Wollstonecraft, que as mulheres têm capacidades, talentos, necessidades e preocupações específicas, de forma que a expressão da cidadania deveria ser diferenciada da dos homens. O entendimento patriarcal da cidadania significa que estas duas exigências são incompatíveis porque permitem apenas duas alternativas: ou as mulheres se tornam (como) homens, e, nessa medida, cidadãos completos; ou continuam relegadas para o espaço das mulheres, que não tem valor de cidadania” (1976: 197).
Entre estes dois lados da fronteira, as mulheres vítimas de violência têm estado historicamente sozinhas na luta contra o terrorismo patriarcal. No sentido dos direitos de cidadania é necessário que o Estado cumpra as suas obrigações para criar condições quando as mulheres saem das relações violentas.
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4 - Linguagem, arte e mudança social na violência de género
Sem entrar na dicotomia entre a análise material e cultural, a cultura é uma das dimensões sociais onde são produzidas as condições sociais associadas à emergência da violência de género. A partir do conceito de Bourdieu, a violência simbólica de género (Magalhães 2009) é crucial na produção, reprodução e reiteração das condições sociais e culturais para a violência masculina contra as mulheres. A violência de género faz parte da discriminação e dos estereótipos de género (Carol Hagemann-White 1998). Tal como Alyce LaViollette e Ola Barnett mencionam:
“Acreditamos que as sociedade dominadas pelo modelo masculino criam um tipo de «poluição patriarcal». O patriarcado é o smog que respiramos, os pesticidas que ingerimos e as toxinas que encontram espaço no nosso corpo. Nem sempre podemos saboreá-los ou senti-los. Os seus efeitos podem ser subtis mas são também cumulativos. A estrutura patriarcal da sociedade cria uma disposição que permite, encoraja e/ ou normaliza a violência, particularmente, a violência direccionada para os grupos social mais fragilizados, portanto, mais inseguros alvos” (2000: 109) – ver também (Kandel-Englander 1992)
Desta maneira, a análise da linguagem e da Arte pode evidenciar as formas como o patriarcado opera na violência de género. Desde os anos 1960, as feministas têm trabalhado na área das artes para construir caminhos de desafio, confronto e transformação da sociedade discriminatória relativamente à violência de género. Referimos, enquanto uma das performances pioneiras, In Mourning and In Rage (1977) da Suzanne Lacey e da Leslie Labowitz e a Cut Piece, um video da Yoko Ono de 1965, onde o tema central é a violencia contra as mulheres. Alguns destes trabalhos podem ser vistos na exibição Off the Beaten Path: Violence, Women and Art no Chicago Cultural Centre.
Consequentemente, as artes podem ser, simultaneamente, um objecto de estudo para compreender que violência de género está incorporada na cultura e constituírem-se como uma ferramenta para a transformação política.
Mais ainda, a linguagem desempenha um papel crucial na produção de relações sociais, incluindo de género, étnicas, “racializadas” e de papéis sexuais. Conceptualizando a linguagem como um sistema social, “a linguagem, longe de refletir uma realidade social pré-existente, constitui-se, em si mesma, uma realidade social para nós” (Weedon 1989: 22). Neste sentido, torna-se fundamental não apenas para analisar os mecanismos de opressão como também para contestar o/s significado/s. Assim, “a linguagem, no seu modo histórico específico de formas de atribuir significado à sociedade, oferece-nos uma variedade de posições discursivas através das quais podemos conscientemente viver as nossas vidas” (Weedon 1989: 26).
No campo das Ciências da Educação, a linguagem e as Artes são fundamentais para a compreensão do papel da Pedagogia na prevenção da violência contra as mulheres e da violência de género.
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5 - Voz (es), Silêncio (s) e movimentos sociais na violência de género
No contexto de um frágil e fragmentado movimento feminista, a violência de género e doméstica em Portugal, evoluiu numa lógica top-down, a partir das recomendações da União Europeia e das Nações Unidas. Este contexto político contribuiu para que os serviços para mulheres vitimas sejam mais um produto do papel do Estado, e do respectivo terceiro sector, e não o resultado das pressões dos movimentos sociais. Uma das principais consequências deste contexto tem sido a ausência de vozes das mulheres vítimas e a sua exclusão das dinâmicas dos movimentos sociais.
Vozes, agência e movimentos sociais são fundamentais para a transformação social quer na sociedade alargada quer nas relações íntimas.
Tal como Lisa Goosman e Deborah Epsteins (2008) sugerem, as respostas sociais para mulheres vítimas:
… continuam a não chegar a muitas mulheres vítimas, o movimento anti-violência doméstica distanciou-se das suas raízes feministas e as recentes reformas criaram novos riscos e desafios, na altura não previstos, para numerosas sobreviventes. Estas limitações conduziram o movimento a uma importante encruzilhada: ou as reformas incluem grande flexibilidade e amplitude, muitas vítimas continuarão inseguras, e algumas poderão abandonar as instituições criadas para as proteger (2008: 111).
Desta forma, as vozes das mulheres vítimas têm de ser ouvidas e o estatudo de vítima, já consignado na legislação portuguesa tem de ser respeitado. Seguindo Kimberley Dugan e Jo Reger, podemos definir “voz como a capacidade de um grupo articular um sentido e propósito em termos de direcção política” (2006: 469). Embora Gayatri Spivak (1988) tenha questionado a possibilidade de os grupos sociais subalternos terem voz e fazerem-se ouvir, o processo de tomar a palavra e pressionar politicamente são importantes dimensões dos movimentos sociais assim como da sua agência política (Magalhães, 2003; Lovell, 2003).
No que respeita a violência domestica e a de género, a participação das mulheres sobreviventes demonstrou-se fundamental para evitar o neocolonialismo e o ventriloquismo de algumas concepções de “ajuda à vítima”.
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Referências
Baptista. Isabel, Silva. Mario, Nunes. Janine, (2004) *Shelters@net – National Report.* CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social
Dugan, Kimberley and Jo Reger (2006) “Voice and Agency in Social Movement Outcomes”, Qualitative Sociology, (2006) 29:467–484.
European Commission: Feasibility study to assess the possibilities,opportunities and needs to standardize national legislation on violence against women, violence against children and sexual orientation violence. Luxembourg: Publications Office of the European Union 2010,
Goodman, Lisa A.; Epstein, Deborah (2008) “Recommendations for Future Reform” In Goodman, Lisa A.; Epstein, Deborah (2008) Listening to battered women: A survivor-centered approach to advocacy, mental health, and justice, Washington, DC, US: American Psychological Association, 2008. pp. 111-135.
Hagemann-White, Carol (1998) “Violence without end? Some reflections on achievements, contradictions, and perspectives of the feminist movement in Germany”, in Klein, Renate C.A. (1998) Multidisciplinary Perspectives on Family Violence, London: Routledge, pp 176-191.
Harding, Sandra (1986) The Science Question in Feminism, London: Cornell University Press.
Harding, Sandra (1991) Whose Science, Whose Knowledge, Thinking from Women’s Lives, New York: Cornell University Press.
http://ec.europa.eu/justice/funding/daphne3/funding_daphne3_en.htm
James, Susan (1992) “The good-enough citizen: female citizenship and Independence”, in Gisela Bock and Susan James (1992) Beyond Equality and Difference: Citizenship, feminist politics, and female subjectivity, London: Routledge, pp 43-62.
Kandel-Englander, Elizabeth (1992) “Wife battering and violence outside the family”. Journal of Interpersonal Violence, 7, 462-470.
LaViolette, Alyce D. e Barnett, Ola W. (2000) It Could Happen to Anyone: Why Battered Women Stay, Londres: Sage.
Lovell, Terry (2003) “Resisting With Authority: Historical Specificity, Agency and Performative Self”, Theory, Culture and Society, 2003, Londres: Sage, Vol. 20(1): 1-17.
Magalhães, Maria José (2003) “Em torno da definição do conceito de agência feminista”, ex-aequo, (7), 189-198.
Maynard, Mary e Purvis, June (ed.s) (1994) Researching Women's Lives from a Feminist Perspective, Londres Taylor e Francis. (Introdução de Maynard e Purvis, págs. 1-9).
McNay, Lois (2004) Agency and experience: gender as a lived relation, Sociological Review, pp 175-190.
Pateman, Carole (1976) Participation and Democratic Theory, Cambridge: Cambridge University Press.
Shepard, Melanie F., Ellen L. Pence (coords) (1999) Coordinating Community Responses To Domestic Violence, Londres: Sage, Colecção SVAW – Sage Series on Violence Against Women.
Spivak, Gayatri Chakravorty (1988) “Can the subaltern speak?”, in Cary Nelson and Lawrence Grossberg (1988) Marxism and the Interpretation of Culture, Chicago: University of Illinois Press, pp 66-111.
Weedon, Chris (1989) Feminist Practice and Post-Structuralism Theory, Cambridge, MA: Blackwell.
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